segunda-feira, 27 de setembro de 2010

PAREDES NUAS






Nasci pequeno e não cresci muito, o suficiente. Cresci com minha mãe me acordando à noite, conferindo a respiração - trauma de quem não suportaria perder outro menino. Cresci estranho, tímido, criativo. Cresci saudável, hiperativo, escrevendo. Sozinho. De uma cidade para outra, perdendo amigos, ganhando paisagens. Pedalando onde houvesse asfalto e silêncio. Pra quebrar o vazio, walkman e trilhas sonoras de filmes que hoje já perderam espaço na Sessão da Tarde. Nos pés, improviso. Nos olhos, horizontes perdidos e imaginários. Muitos sonhos ainda não saíram de um caderno antigo guardado com zelo. Sonhos agarrados à tinha da bic azul há 15, 20 anos. De lá pra cá, novos sonhos furaram fila e outros foram substituídos por coisa maior; muitos por trabalho, tantos por amor. Cresci querendo amar um amor romântico. Queria e amei assim, um dia, muito. Amei como se amor fosse ar, comida e água. Amei por anos até secar a fonte. Sequei junto cavando a última gota, migalha, suspiro. Até descobrir outras fontes, de amor e do resto.


Hoje continuo sedento, mas cedendo. Abrindo brechas para sorrisos que não estavam no meu itinerário; criando espaços para que minha ansiedade se dilua e se acomode e preencha as trincas profundas do chão que sustenta meus pés geralmente descalços. Estou mais nu do que nunca e, por isso, mais frágil e leve. Definitivamente melhor. Alguns cacos de mim, recolocados, pedem mais do que cola. Quero, aqui, ainda assim, arriscar dizer que estou inteiro. E, inteiro, peço aos meus amigos desculpas pela minha inconstante condição de companheiro constante. Só não peço desculpas pelo que sinto. Pois bem sabem os meus reais amigos: quando sinto, somente sinto e não há mais nada nas paredes.

domingo, 26 de setembro de 2010

Lampejo



Peregrino. Desesperadamente peregrino. Em busca, cercando, provando, tentando. Tantos gerúndios só para intensificar a palavra saudade. Que dói, corrói e fica. E os olhos correm, miram tudo, rodopiam. Se fundem no mundo de imagens do mundo, para no final ver sempre a mesma coisa. Ver o que se quer e não se tem mais. Ver o vazio da cama, do braço, do beijo, do sorriso que luta aflito para existir. Ver vazio o lampejo de vida que parece que resta. Enxergar que a vida é sopro pequeno, sereno em noite quente, estrela cadente que no final é só desejo. Um único desejo.  

(Roma, 4 de setembro de 2006)
Foto - Roger Liborio

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

A Peste


Às vezes penso que a vida seria mais fácil sem o amor.
É sim, a vida seria mais prática, mais homogênea, sem sobressaltos ou enganos.
O amor tem a mania de sabotar nossos planos individuais, nossos sonhos de criança, nossos desejos secretos e egoístas.

A verdade é que o amor é um parasita.
Suga nossas energias, monopoliza nossa atenção, manipula nossas ações e, sem pedir, tira de nós o que achávamos que tínhamos de melhor e transforma em seu.
É uma peste, um vírus, uma sina, uma merda.

Afinal, quem se reconhece quando ama de verdade? 
O amor toma conta de tudo o que temos: liberdade, orgulho, vontades, certezas.
Tira-nos o chão numa rasteira só.
Rouba-nos o equilíbrio, sufoca nossas idéias.
Torna-se nosso único meio, riqueza e miséria, fome e alimento.
Ganha a grandeza da nossa vida
e faz dela ordinariamente pequena.

Enfim, o amor estraga tudo o que somos e nos pertence
ou apenas acreditamos ser e ter.
É a privação alucinante de qualquer idéia coerente de existência lógica.
Mil amarras de cem mil nós que se restringem a cada único beijo.
Praga que faz sorrir enquanto corrói cada pedaço de dentro.

Comigo, fez tudo o que não deveria.
Ainda é tudo o que eu menos queria. .
Mas, mesmo assim, de tudo resta uma absoluta certeza : 
Só tenho a agradecer por amar. 

domingo, 19 de setembro de 2010

A verdade, o amor e o relacionamento




O pior inimigo de uma relação a dois é a verdade. E que fique claro que não estou falando de sinceridade, mas de pura e cruel verdade. E também não estou falando de amor, mas de RELACIONAMENTO. Pois quase todos confundimos, fundimos ou misturamos esses dois conceitos: amor e relacionamento. O amor é a verdade absoluta que não precisa ser dita. O relacionamento são as verdades cotidianas que deveriam permanecer caladas, para sempre.


Amar é dizer com os olhos. Manter um relacionamento saudável é calar a boca.


Afinal, saber manter um relacionamento é mais importante do que amar. Quanta gente simplesmente não consegue viver com aquele que mais ama pela mera, inexplicável e insuperável incapacidade de viver a dois? E, na maior parte das vezes, isso acontece porque aquilo que se diz afasta o outro, não aquilo que se cala.


FALAR, FALAR, FALAR. Dizer cada coisa que incomoda, abrir todos os baús, expurgar todos os fantasmas, listar todos os defeitos, queixar todos os incômodos, detalhar um por um os sonhos desfeitos, abrir cada porta que parecia não ter chave, puxar os panos para enxergar o que há debaixo, dizer prós e contras. Enfim, discutir o relacionamento. É O COMEÇO DO FIM.


Fim do amor? Que nada! O amor será apenas uma vítima sobrevivente. Pois o coração segue sangrando, à margem. Mas segue, ainda que ferido, depois que língua o apunhala. O que não sobrevive é a vida a dois. Pois um relacionamento saudável suporta tudo, menos a verdade.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Fugaz





Sinto um vazio batendo fora. Um vazio de imagens que não fazem sentido, de tempo que se acumula num canto do quarto marcando a parede como mofo. Vulgar receptáculo de vivências sem sentido, acumulador de experiências que não se encaixam, aglomerado de retalhos de vida não-costurados. Sinto-me assim. 


Procuro um cigarro; como eu queria um dia não ter engasgado e aprendido a fumar. Pois nesse vazio que me devora é que sinto ainda mais a cabeça girar, mais do que engolir fumaça.  


Que agonia danada. E sabe o que me deixa louco? É que no fim das contas, olhando toda essa "acumulança" de histórias repartidas e que empilhadas ganham status de vida, acabo percebendo que é justamente essa mistura desconexa que vale. Ao menos pra mim. Múltiplos pedaços de vida são múltiplas escolhas de vida - e não necessariamente escolhas erradas.  


A cabeça torna a rodar, desvairada, por justamente perceber que é essa coisa toda que presta afinal. 


No fim de tudo, nada vale nada a não ser pelo tempo que lhe foi dado.  O tempo das coisas boas de se lembrar, o tempo com que fizemos amor sem pensar, o tempo que não foi calculado mas que somou. Tesouro absoluto dos prazeres profundos de ser simplesmente fugaz.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Friday I'm in love




Amanhã é sexta. Dia de amigos, de amores indecisos, de faltas de juízo e, absolutamente, de loucos desejos neonatos de fim-de-semana. 

É quando começa aquela vontade de língua na orelha, de rede num quintal, de almofadas limpas no chão, de dedo enrolando cabelo. Vontade de gente, de muita gente, de multidão. Mas pra rapidinho ter vontade de um cantinho pra escapar do povo todo. Vontade de sossego e tesão, é isso. E  também vontade de ficar sem palavras de surpresa,  vontade de mesa, de sonhos e de inumeráveis outras coisas várias e simples e bestas. É na sexta que nasce aquela vontade incontrolável de ter o lábio inferior mordido va-ga-ro-sa-men-te. E de por isso assoprar palavras fogosas e insanas sem se dar conta. Ah! Uma vontade danada de terminar um livro, um filme ou um carinho sorrindo. É claro: vontade de rir, muita, com o canto da boca ou escandalosamente. Rir simplesmente, só porque é sexta .

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

15 gotas antes de dormir




Um remédio, doutor. Pro tédio, pro tédio. Pra dormir ou pra sair? Remédio pra alma, pra calma, pra trauma, pra vontades de coisas descontroladas que se despedaçam e se juntam e se dividem outra vez e desejam inércia, mas só sabem existir quebrando sequências e ritmos e "gritos de pára" que no fundo só querem gritar "quero mais". Remédios, por favor. Pra viver e nem pensar que a vida é um antídoto bom demais de envenenar.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Filtro é poder


No final, é a gente que controla. 
Não o que acontece na vida da gente, mas o que vale a pena acontecer, o que vale a pena ser assimilado como acontecimento. Se acontece algo ruim mas não assimilo, o corpo nem sente, a mente nem processa.