sábado, 12 de março de 2011

A janela da casa amarela


Era uma janela.
Não uma qualquer, importante dizer. 

Certos dias se vestia de cortina, bandô, babado.
E tantas vezes se via despudoradamente nua, cheia de vontade de luz e olhar de gente da rua.
Nas noites mais quentes, se abria sem medo de ladrão, granizo ou vizinho. 
Como era fogosa aquela janela que adorava carícia de vento.
Como era curiosa com tudo lá fora: cachorro de rua, conversa de esquina, casal se pegando no muro. 

Generosa janela de vidros transparentes.
Houve um tempo, era tão vaidosa por tudo que deixava escapar lá de dentro.
E escapava cantoria, cheiro de bolo saindo do forno, som de festa, de riso, de vidro quebrando.
Houve um tempo.

Hoje, não abre pra briga de casal na calçada, pra batida de carro e nem serenata.
Não abre pra deixar sair o cheiro de mofo ou pra que alguém se pendure nela e repare que a grama do jardim já cresceu demais. 
Anda fechada, como o corpo dela.
O corpo, a casa hoje amarela, a casa que adoeceu. 

Carnal janela que perdeu a vontade de ser o que é.
Que desejou 102 tijolos pra virar parede.
Que tentou esquecer que não é cicatriz, mas abertura. 
Que fechada, não é só o corpo que sofre. 
Sofre a alma. 
Abre janela, abre.