sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Que venha um ano de fúria

Há quase um ano decidi ser gente-doida-sem-matar-a-mim-mesmo, o velho e chato mim-mesmo. Velho, chato e que a menos de um mês do próximo aniversário parece apenas ter se tornado um chato velho. Escrevi pouco nos intervalos, talvez porque tenham sido poucos os dias de ressurreição. Matei pouco o Roger que foi se estabelecendo dia a dia. Renovei pouco a minha carga de drama simbólico e emocional. Pois quero me propor outra vez a escrever nos intervalos, com intervalos intensos, constantes e de fúria assassina autoflagelante. Talvez assim caibam mais palavras na minha boca. Na minha vida.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Poeira nos olhos

Voltou o fodido medo de dormir. Dois anos depois, fechar as comportas e desacelarar as turbinas parece uma tarefa novamente difícil. E quem me dera ser uma represa em período de cheia. Estou vazio, e o que me resta insiste em escoar, com vontade de rio, de chegar logo ao mar. Os olhos não fecham por nada, só pra desmaiar do cansaço de serem meus. Dois anos depois do meu ano zumbi, quando dormir era deixar baixar a poeira, pra não pensar e processar minha dor quis viver todo dia como festa de congado num terreiro de chão. Dormir era aceitar o aconchego da vida como ela era. Eu não podia. Depois, veio o coma e o sono sem um grão de poeira suspenso no ar. Até agora.

Tempo de (es)colher

Nos últimos tempos perdi muito do meu verniz. Acho, eu era mais protegido dos pensamentos ruins, dos apertos cinzas no peito, do peso dos dias nas costas e das coisas que dentro, silenciosamente, gritam nossas infinitas vozes. Tanta coisa pra acreditar ainda, mas não quero crer. Por que? Por que a gente cede? É por que envelhece? Não creio. É porque a gente escolhe ser assim ou porque não se escolhe coisa nenhuma. Talvez. No fundo é sempre uma escolha, disso não resta dúvida. E se ainda escolho tentar entender, se a pergunta ainda me coça a mão, é porque meu verniz persiste. Existe escolha.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Love Day e a coisa do meio


O amor tem dessas coisas. Estranhezas. A gente ama até o ponto em que se ama amar. Porque amor é coisa ideal, desejo de algo que te projeta fora da crueza de apenas existir. Amar só vale se você usa óculos colorido de lente espelhada. Cheira a defunto o amor que vê e sabe de tudo como de fato é. Por isso nada como o amor de quando você tem menos de 30. Melhor: menos de 20. Pois o amor de melhor qualidade vem da overdose de inocência. "Meus pais ficaram casados 45 anos. Isso é que amor!", acho que ouvi alguém gritar, abanando insistentes braços no ar. Sinceramente, amor é outra coisa. Nem fim, nem começo. É a coisa do meio. Vem depois da promiscuidade da paixão e antes da complexidade de tudo que dele resulta. O que vem depois pode ser tanta coisa, inclusive um casamento de 45 anos. Amor de verdade, pra ser sincero, não resiste ao tempo, pois só é o que é no estado de pureza. Quando se ramifica em inevitáveis outras possibilidades, não é mais ele. Serão outras coisas malditas e belas, mas outras coisas. Que pesam. E pra identificar amor verdadeiro, basta saber que, sim, ele é cheio de um peso de importancia. Mas que se carrega com leveza.

domingo, 27 de janeiro de 2008

O que é saudade?

Brasileiros não precisam ter medo da exclusão numa conversa com italianos. Normalmente, aqui, somos confortavelmente acolhidos num bate-papo informal. Em geral, dentre o mundo de gente do mundo que circula e vive na Itália, eles são literalmente desconfiados com romenos e peruanos (é simplesmente assim e não me pergunte o por quê). Mas com o brasileiro é diferente, basta apenas que se abra a boca. Pois o italiano gosta de nos ouvir. E claro, do momento em que soltamos meia dúzia de palavras, seja em português ou num italiano carregado de sotaque, somos quase como um novo brinquedo musical. "Ogêgêu ogêgêu", dizem que falamos assim (!) e se divertem, nos comparando com os genoveses, que também têm um "jeito engraçado" de falar, culpa de uma passagem dos portugueses pela região. Bem, toda essa ladainha é apenas para explicar o fascínio melodioso de uma só palavra da nossa língua: SAUDADE.
Se Pelé, Escrava Isaura e Dona Flôr sempre foram, nas últimas décadas, referências imediatas quando se falava de Brasil no exterior (sendo substituídos, numa versão atual, por Ronaldinho, Lula e Gisele), a palavra Saudade talvez tenha sido e ainda é a mais pronunciada. "É belo falar SAU-DA-DE", me disse outro dia, aparentemente com seus 35 anos, uma romana de canelas grossas, olhos verdes e nariz imponente, com quem já havia trocado duas palavras, enquanto eu tentava arduamente terminar minha sessão de abdominais na academia. "Talvez seja a palavra mais bela que exista", completou ela, com um sorriso quase meigo, perguntando-me se eu sentia falta do Brasil. A essa altura, é necessário explicar que a palavra italiana mais próxima de saudade é "mancanza", que traduzido é falta. Desde pequeno ouço falar que saudade não tem tradução em nenhuma outra língua, mas foi a primeira vez que recaiu sobre mim a necessidade de explicar essa anomalia do português (ou de todas as outras línguas?). Cessei com as abdominais. Como explicar essa coisa que sinto e que realmente não é uma falta? Porque o que falta é algo que você já teve e não tem mais, mesmo que temporariamente. A falta seria um vazio, enquanto a saudade, para mim, é sempre essa sensação de cheio. Ainda com a dor provocada pelas abdominais, recordei justamente da expressão "saudade dói", que é refrão até de música sertaneja. Uma dor que não é na barriga, obviamente. Eu, pelo menos, sinto algo concentrado no peito. E é realmente uma dor ou sensação que enche, quase sufoca, faz respirar difícil. Deitei, fiz mais uma abdominal e finalmente respondi que sinto saudade do Brasil, imensa. Mas, não necessariamente falta.
"Imagine que cada pessoa, lugar ou coisa que você ame conquiste um espaço permanente e insubstituível dentro do seu peito. Quando você está próximo dessa pessoa,coisa ou lugar, aquele espaço se preenche com a presença, se torna repleto de convívio, está cheio de amor em exercício. Mas, quando você vai para longe, seria impossível seguir em frente carregando esses espaços vazios, não? Pois você pode viver com a falta de várias coisas, mas não daquilo que realmente ama. Por isso, automaticamente, os espaços exclusivos do peito se enchem de algo diverso, de um fluido de emergência, um recheio temporário que, sabiamente, não esquece nunca ser temporário. Um sentimento substituto e agitado, quase agoniado, que sonha logo não ser mais necessário. O peito se enche disso. De saudade ".
Minha nova amiga italiana, que me escutou calada e atenta, soltou outro sorriso quase meigo. Não sei se conseguiu compreender bem ou se agora passou a confundir saudade com melancolia. Eu, mais do que nunca certo de não ter dúvidas da saudade que sinto, peguei o caminho da ducha.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

De sol


Hoje acordei e o dia é lindo. O que não quer dizer nada, pois são nos dias de sol que muita gente se mata. Óbvio: o sol está imenso lá fora, mas para tantos de nós, de peito apertado, é impossível deixá-lo entrar. Um dia de suicidas, de Ennis del Mar. Eu, sem esses rompantes sombrios, sorrio pra esse dia melhor que ontem. Ontem era cinza e quente. E anteontem gelado e úmido. Sorrio porque já estou me habituando a esse país de clima tão mutante e frágil. Ontem era dia de scirocco, vento deslocado da África, uma baforada do Saara que, às vezes, chega a cobrir nossas sobrancelhas com a areia do deserto. Anteontem, o frio vinha do Norte, com cheiro de Russia ou dos Alpes. E hoje é simplesmente um dia daqueles que é o que deve ser, sem ninguém mandar ou meter o dedo. Um dia como cada um de nós gostaria de ser todo dia. De sol.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Pedaços

CreimDeusPai. Assim, tudo junto, diria a minha mãe. Há quase um mês escrevi aqui. UM MÊS! É assustador como o tempo corre sem piedade, pedágio e parada estratégica pra olhar direito a paisagem da estrada. Ele simplesmente corre, como Forrest Gump ou uma bala perdida disparada acidentalmente daquele 38 escondido em cima do guarda-roupa, esquecido dentro da caixa cinza do Reebok Freestyle anos 80. Ou seja, corre sem motivo ou seu motivo é correr, não sei bem ao certo. Corre, levando a gente junto, dentro de si ou dependurado. Péssima recordação a minha e um paralelo ainda pior, mas não posso deixar de pensar que muitos de nós somos como aquele menino, o João Hélio, que há quase um ano foi vítima da violência do Rio. Roubaram o carro da sua mãe, mas ele ficou preso pelo cinto de segurança. Por sete quilômetros, 14 ruas e quatro bairros, aos seis anos foi assassinado brutalmente, inocente, aos pedaços pelo caminho. No caso do tempo, às vezes me pesa essa impressão de que são tantos os arrastados. Dificílimo entrar no ritmo ou abandoná-lo. Presos pelo cinto de segurança, essa massa dependurada, enquanto o tempo corre, vai perdendo sonhos, amores, coragem e convicções. Vai perdendo a si mesma. Aos pedaços.